Esto lo escribieron en 1978....pero no deja de ser totalmente leible hoy. Sigue la linea trazada por lo que comentaba 10 años antes Oscar Varsavsky.
Saludos Santiago
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Saludos Santiago
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José Leite Lopes
Professor Titular de
Física na Universidade Louis Pasteur de Strasbourg. Ex-Diretor Científico do
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Autor, entre outros títulos, do livro
Ciência e Libertação.
A
expressão transferência de tecnologia é cada vez mais
utilizada em nossos dias por engenheiros, economistas e homens de
listado para caracterizar o processo de transferência e implantação
de fábricas e equipamentos industriais nos países em vias de
desenvolvimento, previstos por certos programas “de ajuda ao
desenvolvimento” concebidos e aplicados pela maior parte dos países
industrializados.
Essa
expressão, entretanto, tem ao mesmo tempo uma conotação de
transferência de conhecimentos científicos e tecnológicos que não
corresponde, em meu entender, à realidade. É preciso dar às coisas
os seus verdadeiros nomes. A implantação de uma fábrica implica
certamente na formação de operários especializados e em
contingentes recrutados na população local, necessários a seu
funcionamento (ver por exemplo, SEURAT, 1978). Essa fábrica funciona
graças a um certo número de operações e de técnicas que os
trabalhadores devem aprender. Mas, na maior parte dos países do
Terceiro Mundo, foi feita uma determinada escolha política que impõe
a esses países um modelo e um sistema de desenvolvimento
dependente. Segundo esses modelos, postos em ação na quase
totalidade dos países da América Latina, o desenvolvimento
econômico estaria assegurado pela implantação de fábricas
pertencentes a grandes firmas multinacionais, cujos laboratórios de
pesquisas, localizados nos países industrializados, fornecessem os
conhecimentos científicos e técnicos, os planos e receitas para o
funcionamento de tais fábricas. Esses modelos implicam naturalmente
que os produtos manufaturados por essas fábricas são aqueles
necessários às populações locais, enquanto que, em geral, esses
produtos, numa escala bastante larga, só são adquiridos por uma
pequena fração da população local e são exportados para outros
países. A competitividade das sociedades multinacionais nessas
exportações provém das condições altamente favoráveis — o
preço da mão-de-obra, o acesso aos produtos primários, a proibição
de reivindicações salariais, entre outros fatores — concedidos
pelos governos desses países subdesenvolvidos. Está claro que,
nessas condições, não existe transferência de conhecimentos
científicos e tecnológicos, nem os meios de criação desses
conhecimentos para esses países em vias de desenvolvimento.
Somente
uma escolha política que assegure — além da importação dos
equipamentos necessários, da troca quer de produtos industriais,
quer de conhecimentos e de ideias — o desenvolvimento local das
indústrias e da agricultura realmente necessárias à população, o
desenvolvimento de sua cultura, bem como da ciência e da tecnologia,
novas ideias e técnicas, concebidas e desenvolvidas a nível local,
somente tudo isso pode permitir uma verdadeira transferência de
tecnologia. Sem essa escolha política, sem a abolição dos
modelos de desenvolvimento dependente, a expressão transferência de
tecnologia torna-se um jogo de palavras, um mito frequentemente
utilizado para mascarar a dependência econômica e tecnológica cada
vez mais profunda dos países em vias de desenvolvimento.
Para
que se possa compreender bem a situação atual da ciência e da
tecnologia na América Latina, deve-se sempre ter em vista que as
nações desse continente foram, por mais de três séculos colônias
— de Portugal (no caso do Brasil) e da Espanha. O estatuto de
dependência de Portugal em relação à Inglaterra deu ao Brasil,
sobretudo a partir do Tratado de Methuen de 1703, o caráter de uma
espécie de colônia "escondida do Reino-Unido" (VELHO,
1976). Uma vez que o regime econômico colonial era de exploração e
exportação, para os centros metropolitanos, de produtos primários
(no Brasil o ouro — que era diretamente encaminhado para a
Inglaterra como pagamento das importações para Portugal de produtos
manufaturados ingleses — o açúcar, o café, etc), as atividades
agrícolas e de extração mineral necessitavam de conhecimentos e
técnicas meramente rudimentares.
A
independência do Brasil, proclamada em 1822, não mudou
essencialmente essa situação de dependência econômica; ela foi
antes considerada como a culminância das relações diretas
estabelecidas entre esse país e a Grã-Bretanha.
Durante
esse período, e até os princípios do século XX os interesses
agrícolas mantiveram completo domínio sobre o Estado; e os setores
do sistema econômico que demandavam tecnologia mais avançada, como
os de transporte por via férrea e de navegação, permaneceram sob o
domínio estrangeiro, uma vez que a realização dessas iniciativas
necessitava de equipamentos e capitais estrangeiros. Ao mesmo tempo,
ficou bem estabelecida no Brasil, nessa época, uma ideologia que
afirmava sua “vocação agrícola”: o país não podia produzir
equipamentos industriais tão aperfeiçoados quanto os produzidos
pela Inglaterra, e se tentasse fazê-lo, e para isso adotasse medidas
protecionistas, era certo que os países industrializados tomariam
medidas correspondentes contra suas exportações agrícolas. Desse
modo, a classe dominante no Brasil baseou seu poder nessa ideologia,
estabelecida durante a fase de exportação de produtos primários e
cujas repercussões se fariam sentir na evolução ulterior da
economia, bem como no desenvolvimento da ciência e da tecnologia
nesse país.
Estabelecidas
para a educação de uma pequena minoria proveniente da elite rural e
da camada superior da classe média, as escolas de ensino superior no
Brasil destinavam-se a formar advogados, que constituíam os quadros
dirigentes do país e, em seguida, médicos. Foi somente em 1810 que
o rei D. João VI — refugiado no Brasil em virtude da invasão de
Portugal pelos exércitos de Napoleão — criou a Real Academia
Militar, transformada em 1874 em Escola Politécnica do Rio de
Janeiro, destinada à formação de engenheiros. Em 1875, foi fundada
a Escola de Minas da cidade de Ouro Preto e, em 1879, a Escola
Politécnica de São Paulo. Os primeiros institutos de pesquisa datam
dos primeiros anos do século XX, quando o governo foi obrigado a
criar institutos de pesquisa médica e biológica — o Instituto
Butantã, de São Paulo, e o Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de
Janeiro — para combater a peste, a febre amarela e certas doenças
do café.
Mas,
no princípio do século XX, segundo o sociólogo O. G. Velho, “o
Brasil importava tudo que pudesse sofrer um processo de transformação
industrial, das locomotivas aos fósforos”.
As
variações na demanda internacional de produtos primários, como se
sabe, deram lugar a diminuições ocasionais da capacidade de
importação pelo Brasil de produtos manufaturados, o que estimulou
iniciativas de caráter industrial no país, para satisfazer as
necessidades do mercado interior.
Esse
processo de industrialização, de substituição das importações,
teve como consequência que os meios de produção deviam imitar e
importar a tecnologia desenvolvida no estrangeiro.
Vemos
assim que o processo de dependência econômica da época colonial
transferiu-se, sob outra forma, na constituição do sistema
industrial brasileiro. A demanda de produtos manufaturados similares
àqueles que eram importados exigia uma dependência tecnológica do
exterior — os conhecimentos científicos e técnicos necessários à
industrialização que começava estavam incorporados aos bens de
capital importados, às máquinas e às prescrições de fabricação
compradas do estrangeiro.
Esse
processo de industrialização acentuou-se com a Primeira Guerra
Mundial, a grande crise econômica mundial de 1929 e, finalmente, com
a Segunda Guerra Mundial. E a Inglaterra, que substituíra Portugal
como sócio dominante da economia brasileira, cedeu o lugar, como se
sabe, aos Estados Unidos.
A
partir de 1930, fundaram-se escolas de Química em São Paulo, no Rio
de Janeiro e em Recife, e faculdades de ciências foram estabelecidas
para a formação de professores e pesquisadores.
O
agrupamento dessas faculdades com outras escolas de ensino superior,
para constituírem universidades, data dessa época, e o número de
universidades no Brasil aumentou consideravelmente a partir de 1946.
Não
obstante, os estabelecimentos industriais pertencentes a
homens de negócios brasileiros dependiam de máquinas e de
tecnologias importadas e, em consequência, eles nunca se
preocuparam com os problemas de pesquisa tecnológica ou científicos
eventualmente necessários para criar ou aperfeiçoar seus produtos
manufaturados. Ligadas a empresas estrangeiras pelo aluguel de
patentes e de serviços, as indústrias nacionais raramente apelavam
para os institutos de pesquisa tecnológica, tais como o Instituto de
Pesquisas Tecnológicas de São Paulo e o Instituto Nacional de
Tecnologia do Rio de Janeiro, voltados, no início de suas
atividades, para a realização de testes de materiais de construção
e regulagem de aparelhos de medição.
A
partir dos anos 60, quando um número razoável de cientistas começou
a ocupar os postos de ensino e de pesquisa nas universidades
brasileiras, uma nova forma de dependência foi imposta ao sistema
industrial brasileiro.
A
entrada maciça de grandes empresas multinacionais no país teve
consequências muito importantes para a economia, bem como para a
ciência e a tecnologia brasileiras.
Antes
dessa transformação da economia brasileira, nós — os Cientistas
de minha geração — tínhamos a esperança, por meio de
publicações, de discussões, de intervenções na imprensa e nas
reuniões da Sociedade para o Progresso da Ciência e da Academia de
Ciências, de que seria possível estabelecer um dia uma ligação
intima entre as indústrias nacionais e os institutos de pesquisa
tecnológica, estes, por sua vez, alimentados pelas atividades dos
institutos de pesquisa científica e das universidades.
Não
obstante, a partir do momento em que as indústrias nacionais
desaparecem porque não são capazes de competir com as grandes
multinacionais, a partir do momento em que são absorvidas por estas
últimas, essa esperança se desvanece.
Pois
é absolutamente claro que as sociedades industriais multinacionais
possuem seus próprios laboratórios de pesquisa e desenvolvimento em
seus países de origem, em suas sedes. São esses laboratórios, com
seus homens de ciência e engenheiros, que realizam os trabalhos de
descoberta a serem finalmente incorporados aos produtos exportados
pelas multinacionais ou fabricados por suas filiais em um país como
o Brasil.
As
multinacionais, instaladas nesses países em vias de desenvolvimento
não têm a menor necessidade dos pesquisadores, dos institutos de
pesquisa e das universidades desses mesmos países.
Cito
aqui um estudo realizado por três pesquisadores brasileiros (Biato,
Guimarães e Poppe de Figueiredo, 1971) que fizeram uma enquete junto
às 500 maiores empresas industriais do Brasil e a 132 instituições
que empregam atividades tecnológicas.
Eles
escrevem (p. 76):
“As
informações relativas à origem da tecnologia utilizada na
instalação de empresas industriais — uma preliminar necessária
ao exame das atividades tecnológicas dessas empresas — evidenciam
a predominância do know-how
de origem exterior; 62% dessas empresas recorreram a fontes
exteriores. Na maior parte das empresas, isto é, em 2/3 delas, esse
know-how não sofreu nenhuma adaptação quando da transferência
para o sistema de produção nacional;
em 21 % dessas empresas, não obstante, a tecnologia importada foi
adaptada às condições brasileiras”.
E
ainda (p. 99):
“Deve-se
destacar que 3/4 das empresas estrangeiras que utilizaram serviços
técnicos do exterior solicitaram esses serviços à sua
empresa-matriz; quanto
às instituições de pesquisa do país — universidades e
institutos — as solicitações (de seus serviços) por parte das
empresas estrangeiras que consultamos foram relativamente raras
(escassas) e, em
consequência, ficou muito reduzido o estímulo que elas deram ao
complexo tecnológico nacional”.
É
ainda necessário nos darmos conta de que os termos “atividade
tecnológica” e “pesquisa” utilizados em tais enquetes não têm
necessariamente o mesmo significado que têm para o pesquisador
científico em seu laboratório.
Essas
considerações levam-nos naturalmente a repetir aqui o que dissemos
na introdução a respeito da transferência de tecnologia, uma
expressão mágica, um mito tão frequentemente utilizado nas
discussões sobre o desenvolvimento, as quais podem conduzir a uma
concepção falsa sobre o que se passa atualmente nos países em vias
de desenvolvimento.
O
que os economistas e os tecnocratas entendem por esse termo não
passa da instalação, em qualquer desses países, de fábricas
importadas, prontas para fabricar produtos cuja concepção foi
formulada no estrangeiro, nos laboratórios das sociedades
multinacionais que as instalam. Ora, o fato de que nossos operários
aprendam a manipular as máquinas e a apertar os botões necessários
à fabricação de automóveis, televisores, rádios e toca-discos
tem uma importância apenas relativa, uma vez que essas máquinas são
inventadas, desenvolvidas e construídas no estrangeiro, e os planos
desenhos para sua fabricação não podem ser modificados pelos
engenheiros dos países subdesenvolvidos em questão. A transferência
de tecnologia, tal como concebida pelos tecnocratas, não implica
absolutamente na instalação de laboratórios de pesquisas
científicas e tecnológicas, associados às indústrias instaladas
no pais em vias de desenvolvimento pelas sociedades multinacionais. O
papel dessas indústrias é de importar, reunir e — ou produzir no
local bens a serem vendidos à elite do país em questão, ou
exportá-los. Como aperfeiçoar esses produtos, modificar suas
técnicas de produção, isso é assunto dos laboratórios
localizados no país avançado, sede da sociedade multinacional
proprietária dessas fábricas.
Para
os países que fizeram a escolha política do desenvolvimento
dependente, a expressão transferência de tecnologia não significa,
portanto, transferência de meios de pesquisa e de criação
científica e tecnológica.
Eu
gostaria agora de ilustrar essas considerações com um exemplo — a
questão da energia nuclear no Brasil.
Como
eu já havia dito, após a Segunda Guerra Mundial as universidades
brasileiras começam a apresentar um certo desenvolvimento. Em
particular, em São Paulo e no Rio de Janeiro, uma equipe de físicos
foi constituída para realizar trabalhos de pesquisa em física
teórica, em raios cósmicos e em física nuclear (ver Ferreira,
1977). Um betatron e um gerador Van de Graaf foram instalados em São
Paulo, nos anos 50, e estudantes viram-se atraídos pelo trabalho
nesse domínio (Goldemberg, 1957; Leite Lopes, 1969). Físicos
realizaram estudos e pesquisas no estrangeiro, e um deles, C.M.G.
Lattes, contribuiu para a descoberta de mésons pi nos raios cósmicos
(1947) e para a sua produção, pela primeira vez, em laboratório,
pelo cíclotron de Berkeley (1948).
O
prestígio desses trabalhos, bem como o prestígio e o
desenvolvimento acelerado da pesquisa científica nos países
industrializados, após a Segunda Guerra Mundial, levaram o Governo
brasileiro a criar, em 1951, sob pressão de nossos cientistas, o
Conselho Nacional de Pesquisa. A finalidade dessa instituição era
não somente apoiar e estimular a pesquisa científica fundamental,
mas lambem desenvolver e controlar todas as atividades relativas à
energia atômica no Brasil.
Entre
os anos 1951 e 1954, esse Conselho tentou obter a cooperação do
Governo dos EUA, através de sua Comissão de Energia Atômica, para
desenvolver a energia nuclear no Brasil. Durante muitos anos,
minerais contendo tório foram exportados para os Estados Unidos. O
Conselho Nacional de Pesquisa do Brasil pedia que o pagamento dessas
exportações fosse a instalação de reatores de pesquisa e de
centrais nucleares no Brasil. Como a lei MacMahon, nos EUA, proibisse
a exportação de equipamento nuclear, bem como a comunicação de
informações nesse campo, o Conselho de Pesquisa brasileiro tentou
obter a cooperação da França, à qual encomendou uma usina para
tratamento de minerais e produção de compostos de urânio, e da
República Federal Alemã, a quem pediu instalações-piloto para o
enriquecimento de urânio por ultracentrifugação, uma técnica que
começava a ser estudada e desenvolvida naquele país, àquela época.
Esses contratos, entretanto, não foram realizados em virtude de uma
intervenção do Governo dos EUA contra a instalação desses
equipamentos no Brasil.
Em
1956, após a publicação dessas informações, graças ao
testemunho do primeiro presidente do Conselho Nacional de Pesquisa,
Almirante Álvaro Alberto, diante da Câmara de Deputados brasileira,
o Conselho Nacional de Segurança anulou todos os contratos de
exportação de minerais de tório para os Estados Unidos e criou a
Comissão Nacional de Energia Nuclear, que deveria por em ação uma
nova política destinada a desenvolver os trabalhos sobre energia
atômica no país. Essa comissão adotou, entretanto, uma política
que não favoreceu o desenvolvimento tal como recomendado em 1957
pelo Conselho Nacional de Segurança. Com efeito, a primeira
Conferência Internacional sobre as Aplicações Pacíficas da
Energia Atômica, realizada em Genebra, em 1955, quando informações
a esse respeito foram publicadas, dava uma oportunidade à Comissão
de estabelecer acordos de cooperação com vários países para a
realização de pesquisas nesse campo, como se começava a fazer em
quase todas as partes. No entanto, a proposta feita por vários dos
nossos, para a criação de um Laboratório Nacional de Energia
Nuclear, que reuniria os pesquisadores brasileiros e estrangeiros
para a realização de um programa nacional, foi rejeitada pela
Comissão de Energia Nuclear. Durante cerca de vinte anos após a
primeira Conferência de Genebra, os progressos do Brasil no campo da
energia nuclear não tiveram qualquer significação — três
pequenos reatores de pesquisa foram sucessivamente instalados em três
universidades. O programa de pesquisas viu-se essencialmente voltado
para a produção e a aplicação de rádio-isótopos. Nenhum projeto
de estudo nem de construção de reatores foi realizado por nossos
engenheiros e físicos; em particular, seria de interesse para o país
obter a cooperação de instituições estrangeiras para a
realização, no Brasil, de pesquisas sobre a utilização do tório
como elemento fértil nos reatores, possibilidade que havia sido
anunciada durante a Conferência de Genebra de 1955.
Pude
participar da discussão desses problemas, fui membro do Comitê de
Energia Atômica do Conselho Nacional de Pesquisas que precedeu a
Comissão Nacional de Energia Nuclear, lutei pela criação de um
Laboratório Nacional de Energia Nuclear, escrevi em 1958 artigos que
denunciavam essas dificuldades. Mas as resistências contra um
programa dinâmico de energia nuclear — de pesquisas necessárias à
industrialização posterior — foram enormes. As indústrias
estrangeiras que desejavam vender reatores de pesquisa (guardando as
chaves), ou os mais recentes gadgets e aparelhos de medição,
essas ganharam a batalha.
Em
1975, como se sabe, o Governo Brasileiro, diante da alta dos preços
do petróleo, anunciou a assinatura de um acordo com a República
Federal da Alemanha para a implantação de um conjunto de oito
centrais nucleares, com uma potência de cerca de 10 milhões de
Kilowatts. O acordo previa ainda a instalação da infraestrutura
necessária, que compreende a produção de combustíveis
enriquecidos e o tratamento dos combustíveis irradiados para a
separação do plutônio.
Não
vou examinar os detalhes desse programa nem as críticas feitas por
representantes do Governo dos EUA sobre as possíveis aplicações
militares do plutônio obtido por esse tratamento dos combustíveis
irradiados.
O
ponto importante a destacar é que essa decisão foi aparentemente
tomada pelos tecnocratas do Governo sem qualquer consulta aos meios
científicos do país. Com efeito, a Sociedade Brasileira de Física
publicou um manifesto, aprovado em 14 de julho de 1975, no qual se
encontram as seguintes declarações:
“Haveria
o risco de repetição de certas experiências realizadas em outros
campos da economia brasileira, graças às quais a tecnologia
estrangeira foi importada sem trazer qualquer vantagem significativa
à tecnologia nacional.”
“A
participação dos cientistas e técnicos brasileiros na formulação
dos métodos e sistemas que serão utilizados, e na política global
quanto às opções energéticas deste país, é indispensável para
um desenvolvimento científico e tecnológico deste país.”
Segundo
um artigo recentemente publicado, a respeito do acordo nuclear
germano-brasileiro, por VARGAS (1976), está claro que a
transferência de tecnologia será realizada, nesse campo como nos
outros, sem a possibilidade de uma participação dos cientistas
técnicos brasileiros na elaboração do projeto, no processo de
ação.
Lê-se,
efetivamente:
“Sobre
as possibilidades de absorção efetiva de tecnologia duas várias
etapas do programa, tendo em vista a implantação de centrais
nucleares, é preciso destacar que um exame superficial dos setores
tecnológicos postos em ação é suficiente para demonstrar que não
teremos a oportunidade de participar inicialmente ‘na elaboração’
da tecnologia total.”
“A
concepção do reator, até o circuito primário do conversor de
calor, isto é, a filosofia do projeto, como frequentemente se chama,
não está aberta à discussão. Ela
é um dado. Todas as confrontações econômicas dessa fase chegam
fechadas, não necessariamente em segredo, mas fora do alcance
prático razoável do recipiendário.”
Vemos,
portanto, que a escolha política das classes dominantes no Brasil,
nos últimos vinte anos, nos conduz a repetir a experiência de
compra de máquinas, equipamentos e projetos, sem que os experts
do país tenham a possibilidade de contribuir para o estudo, ou mesmo
para a discussão preliminar das opções nesse campo tão importante
para o complexo tecnológico nacional.
Não
se trata, portanto, de um novo aprofundamento da dependência
tecnológica? Escolhi este exemplo não porque a energia nuclear
deva, necessariamente, ser prioritária hoje em dia. Trata-se de um
campo novo de pesquisas que foi aberto há vinte anos e que as forças
políticas impediram de se desenvolver por meio do trabalho dos
cientistas do meu país de origem.
Terminarei
dizendo que é preciso que a ciência e a tecnologia possam ser
efetivamente utilizadas para o bem-estar de todos os povos — no
momento elas só se aplicam àquela fração da humanidade que vive
nos países industrializados.
É
preciso que as descobertas e inovações científicas sejam
realizadas também no interior do Terceiro Mundo. Mas
para isso seria preciso substituir as políticas e os modelos de
desenvolvimento dependente a serviço de uma única elite, e seria
preciso fazer as escolhas políticas que visam ao benefício de suas
populações, de todos os homens e mulheres que vivem naqueles
países.
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