Recentemente apareceu na pagina do CNPEM:
Rogério Cezar Cerqueira Leite recebeu o Building Scientific Institutions Prize 2012, conferido pelo Escritório Regional para a América Latina e Caribe da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS, da sigla em inglês) a pesquisadores com participação ativa na constituição de instituições de pesquisa. O Prêmio foi entregue ontem, dia 7 de novembro, na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, por seu presidente, Jacob Palis. Cerqueira Leite é Presidente Honorário do CNPEM, Pesquisador Emérito do CNPq, Membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo e Cidadão Honorário de Campinas.
Alem desse premio, comentado na pagina do CNPEM, Rogerio tem outros interesses e foi citado no passado dia da Consciência Negra (20 de novembro) pela Exposição “Gênese e Celebração: Coleção de peças africanas do acervo de Rogério Cerqueira Leite”, que estara em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo do dia 10 de novembro até o dia 28 de janeiro de 2013, e traz cerca de 200 peças, entre as quais merecem menção esculturas, máscaras, objetos de materiais e tamanhos variados de povos como os dan, baolé, anang, yoruba, bulu, moba, pende, bantu, pumu, fang, dogon e sakuma, entre outros. Uma oportunidade única para que o público possa conhecer um pouco mais sobre a diversidade cultural desses diferentes grupos étnicos. Pinacoteca do Estado. Praça da luz, 2, Centro, São Paulo, de terça a domingo, das 10h às 18h.
Tem tambem um blog que como este compartilha o fato que ninguem o le.
E muito além, eu particularmente o citaria pelas duas leituras que deixo a continuação, publicadas em 1976 numa epoca dificil para expressar opinioes livremente, como quase todas as epocas:
Tecnologia e Multinacionais
Rogério Cezar Cerqueira Leite recebeu o Building Scientific Institutions Prize 2012, conferido pelo Escritório Regional para a América Latina e Caribe da Academia de Ciências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS, da sigla em inglês) a pesquisadores com participação ativa na constituição de instituições de pesquisa. O Prêmio foi entregue ontem, dia 7 de novembro, na sede da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, por seu presidente, Jacob Palis. Cerqueira Leite é Presidente Honorário do CNPEM, Pesquisador Emérito do CNPq, Membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha de S. Paulo e Cidadão Honorário de Campinas.
Alem desse premio, comentado na pagina do CNPEM, Rogerio tem outros interesses e foi citado no passado dia da Consciência Negra (20 de novembro) pela Exposição “Gênese e Celebração: Coleção de peças africanas do acervo de Rogério Cerqueira Leite”, que estara em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo do dia 10 de novembro até o dia 28 de janeiro de 2013, e traz cerca de 200 peças, entre as quais merecem menção esculturas, máscaras, objetos de materiais e tamanhos variados de povos como os dan, baolé, anang, yoruba, bulu, moba, pende, bantu, pumu, fang, dogon e sakuma, entre outros. Uma oportunidade única para que o público possa conhecer um pouco mais sobre a diversidade cultural desses diferentes grupos étnicos. Pinacoteca do Estado. Praça da luz, 2, Centro, São Paulo, de terça a domingo, das 10h às 18h.
Tem tambem um blog que como este compartilha o fato que ninguem o le.
E muito além, eu particularmente o citaria pelas duas leituras que deixo a continuação, publicadas em 1976 numa epoca dificil para expressar opinioes livremente, como quase todas as epocas:
Tecnologia e Multinacionais
As empresas multinacionais são um fenômeno relativamente recente no cenário sócio-econômico internacional. Isto justifica em parte a compreensão restrita que existe de seus efeitos, tanto nos países de origem, como naqueles em que se encontram as filiais. notável que a primeira investigação de porte sobre tais efeitos, em países em desenvolvimento, tenha sido feita por iniciativa do Congresso dos Estados Unidos da America. No Brasil, onde cerca de cinquenta por cento da produção industrial do setor privado esta nas mãos das multinacionais, a unica analise de alguma relevância, embora de proporções modestas, baseou-se, quase que inteiramente, em dados do anuário "Quem e Quem", da "Visão".
A atitude passiva do Governo nacional, a respeito da atuação das multinacionais, se baseia numa estranha filosofia: o sucesso financeiro das multinacionais, no Brasil, depende diretamente da dinâmica da economia interna do Pais, conseqüentemente, os interesses imediatos destas empresas se confundem com os interesses nacionais. Com isto, as multinacionais agiriam naturalmente de acordo com os interesses desenvolvimentistas do Pais.
Este tipo de argumento nos lembra uma fabula de autoria incerta. A floresta estava em fogo. Os animais se viam obrigados a atravessar o rio para escapar ao incêndio. O escorpião, incapaz de nadar, se dirige a rã que se preparava para atravessar o rio, e pede-lhe para ir nas suas costas. "Mas você vai me picar", diz a rã. "Se o fizer morreremos os dois, pois não sei nadar", responde o escorpião. "Realmente", retruca a rã, "suba rápido então". Ja no meio do rio sente a rã a dor de uma picada e se volta para o escorpião: "Mas como? Assim você também morrera". Responde o escorpião: "Eu sei, mas não posso fugir a minha natureza".
O esforço governamental na atração das multinacionais para o Brasil foi, na década passada (refere-se aqui a década de 1960 apos o golpe de estado que derrocou o governo do presidente João Belchior Marques Goulart, em 1964), justificado por três fatores: primeiramente pelo aporte de capital e divisas; em segundo lugar pela competência gerencial, supostamente escassa no Pais; e, em terceiro lugar, pela transferência de tecnologia. A única preocupação inicial foi com as limitações na remessa de lucros.
O controle da remessa de lucros sempre foi muito ineficiente, pois as multinacionais mostraram uma notável imaginação em criar mecanismos para remessas adicionais. Os pagamentos as matrizes, na forma de "royalties", assistência técnica, contratos de transferência de tecnologia etc., e, freqüentemente, a existência de pagos administrados intra companhia, vem permitindo, na pratica, uma remessa adicional incontrolável.
Embora neste artigo, nos dediquemos especialmente a importância das multinacionais, quanto a transferência de tecnologia, não resistimos a tentação de, mesmo que brevemente, considerar as outras duas esperadas contribuições ao desenvolvimento nacional.
Inicialmente, devemos entender em que consistiu este aporte de capitais e divisas nos anos 60. Dos capitais iniciais das companhias estrangeiras instaladas no Brasil, menos de 15%, em media, foi proveniente das matrizes. O restante foi levantado no Brasil, e, quando no exterior, através de empréstimos a serem pagos pela sucursal brasileira, em períodos relativamente curtos, e com juros que certamente ultrapassaram de muito aqueles 15% de inversão de capital da matriz. Conclui-se dai que a implantação de industrias multinacionais no Brasil não resultou em aquisição de divisas para o Pais. As multinacionais mostraram apenas na maior capacidade de agregação de capital, pelo seu maior credito junto ao sistema financeiro, credito este que talvez fosse apenas uma conseqüência do desmesurado apoio do Governo que tiveram então. Podemo-nos perguntar: se tal apoio tivesse sido dado ao empresariado nacional, naquela época, resultados semelhantes não teriam sido alcançados pela propria industria nacional?
Quanto a competência gerencial ou organizacional, basta-nos lembrar que muitas das empresas multinacionais estariam hoje fechadas, se não fosse o apoio decisivo que vem tendo dos governos de seus países de origem, apoio este que jamais tiveram, no Brasil, as empresas nacionais. Lembremo-nos de que os mesmos executivos são disputados, no mercado de trabalho nacional, pelas nacionais e multinacionais. É muito provável que o relativo sucesso das empresas multinacionais, em comparação com as nacionais, se deva antes a sua capacidade de captação de recursos e importação de tecnologia, que a competência gerencial e organizacional.
Quanto a transferência de tecnologia, estamos convencidos de que as multinacionais são antes um empecilho que um auxilio. Por razoes de ordem econômica e administrativa, as empresas preferem agrupar suas atividades de pesquisa, desenvolvimento e ate projeto, junto aos seus centros de decisão que, sem exceção, residem nos países de origem. Com isto, as filiais, no Brasil e outros países em desenvolvimento, ficam naturalmente dependentes das matrizes quanto a qualquer inovação. Como tecnologia e a capacidade de geração de inovação, e não a inovação em si, as multinacionais podem aprimorar sua produção no Brasil, embora a geração e o controle de tecnologia permaneçam com a matriz. Esta condição em si não e tão prejudicial; a pior conseqüência e que, dispondo de tecnologia no exterior, a multinacional força as empresas nacionais a atitudes expediticias quanto a inovação. Para poder competir com os recursos tecnológicos de que dispõem as multinacionais junto as matrizes, as empresas nacionais se vem forçadas a adquirir continuamente, no exterior, tecnologia e assistência técnica. Com isto não conseguem as empresas nacionais, sem prejudicar sua rentabilidade, alocar recursos para desenvolver tecnologia própria. Esta situação ja se tornou de tal maneira institucionalizada que o empresariado nacional começa a descrer da possibilidade de desenvolvimento de tecnologia autoctona.
Para romper-se este ciclo, não bastaria adotar-se medidas protecionistas, quanto a tecnologia nacional, impedindo-se indiscriminadamente a aquisição de tecnologia no exterior. Isto reduziria a capacidade de competição da industria nacional com as multinacionais. Tecnologia e mercadoria e como tal pode ser avaliada e devidamente tributada quanto a importação. Isto colocaria multinacionais e nacionais em condições competitivas, alem de estimular a produção nacional de inovação.
A atitude passiva do Governo nacional, a respeito da atuação das multinacionais, se baseia numa estranha filosofia: o sucesso financeiro das multinacionais, no Brasil, depende diretamente da dinâmica da economia interna do Pais, conseqüentemente, os interesses imediatos destas empresas se confundem com os interesses nacionais. Com isto, as multinacionais agiriam naturalmente de acordo com os interesses desenvolvimentistas do Pais.
Este tipo de argumento nos lembra uma fabula de autoria incerta. A floresta estava em fogo. Os animais se viam obrigados a atravessar o rio para escapar ao incêndio. O escorpião, incapaz de nadar, se dirige a rã que se preparava para atravessar o rio, e pede-lhe para ir nas suas costas. "Mas você vai me picar", diz a rã. "Se o fizer morreremos os dois, pois não sei nadar", responde o escorpião. "Realmente", retruca a rã, "suba rápido então". Ja no meio do rio sente a rã a dor de uma picada e se volta para o escorpião: "Mas como? Assim você também morrera". Responde o escorpião: "Eu sei, mas não posso fugir a minha natureza".
O esforço governamental na atração das multinacionais para o Brasil foi, na década passada (refere-se aqui a década de 1960 apos o golpe de estado que derrocou o governo do presidente João Belchior Marques Goulart, em 1964), justificado por três fatores: primeiramente pelo aporte de capital e divisas; em segundo lugar pela competência gerencial, supostamente escassa no Pais; e, em terceiro lugar, pela transferência de tecnologia. A única preocupação inicial foi com as limitações na remessa de lucros.
O controle da remessa de lucros sempre foi muito ineficiente, pois as multinacionais mostraram uma notável imaginação em criar mecanismos para remessas adicionais. Os pagamentos as matrizes, na forma de "royalties", assistência técnica, contratos de transferência de tecnologia etc., e, freqüentemente, a existência de pagos administrados intra companhia, vem permitindo, na pratica, uma remessa adicional incontrolável.
Embora neste artigo, nos dediquemos especialmente a importância das multinacionais, quanto a transferência de tecnologia, não resistimos a tentação de, mesmo que brevemente, considerar as outras duas esperadas contribuições ao desenvolvimento nacional.
Inicialmente, devemos entender em que consistiu este aporte de capitais e divisas nos anos 60. Dos capitais iniciais das companhias estrangeiras instaladas no Brasil, menos de 15%, em media, foi proveniente das matrizes. O restante foi levantado no Brasil, e, quando no exterior, através de empréstimos a serem pagos pela sucursal brasileira, em períodos relativamente curtos, e com juros que certamente ultrapassaram de muito aqueles 15% de inversão de capital da matriz. Conclui-se dai que a implantação de industrias multinacionais no Brasil não resultou em aquisição de divisas para o Pais. As multinacionais mostraram apenas na maior capacidade de agregação de capital, pelo seu maior credito junto ao sistema financeiro, credito este que talvez fosse apenas uma conseqüência do desmesurado apoio do Governo que tiveram então. Podemo-nos perguntar: se tal apoio tivesse sido dado ao empresariado nacional, naquela época, resultados semelhantes não teriam sido alcançados pela propria industria nacional?
Quanto a competência gerencial ou organizacional, basta-nos lembrar que muitas das empresas multinacionais estariam hoje fechadas, se não fosse o apoio decisivo que vem tendo dos governos de seus países de origem, apoio este que jamais tiveram, no Brasil, as empresas nacionais. Lembremo-nos de que os mesmos executivos são disputados, no mercado de trabalho nacional, pelas nacionais e multinacionais. É muito provável que o relativo sucesso das empresas multinacionais, em comparação com as nacionais, se deva antes a sua capacidade de captação de recursos e importação de tecnologia, que a competência gerencial e organizacional.
Quanto a transferência de tecnologia, estamos convencidos de que as multinacionais são antes um empecilho que um auxilio. Por razoes de ordem econômica e administrativa, as empresas preferem agrupar suas atividades de pesquisa, desenvolvimento e ate projeto, junto aos seus centros de decisão que, sem exceção, residem nos países de origem. Com isto, as filiais, no Brasil e outros países em desenvolvimento, ficam naturalmente dependentes das matrizes quanto a qualquer inovação. Como tecnologia e a capacidade de geração de inovação, e não a inovação em si, as multinacionais podem aprimorar sua produção no Brasil, embora a geração e o controle de tecnologia permaneçam com a matriz. Esta condição em si não e tão prejudicial; a pior conseqüência e que, dispondo de tecnologia no exterior, a multinacional força as empresas nacionais a atitudes expediticias quanto a inovação. Para poder competir com os recursos tecnológicos de que dispõem as multinacionais junto as matrizes, as empresas nacionais se vem forçadas a adquirir continuamente, no exterior, tecnologia e assistência técnica. Com isto não conseguem as empresas nacionais, sem prejudicar sua rentabilidade, alocar recursos para desenvolver tecnologia própria. Esta situação ja se tornou de tal maneira institucionalizada que o empresariado nacional começa a descrer da possibilidade de desenvolvimento de tecnologia autoctona.
Para romper-se este ciclo, não bastaria adotar-se medidas protecionistas, quanto a tecnologia nacional, impedindo-se indiscriminadamente a aquisição de tecnologia no exterior. Isto reduziria a capacidade de competição da industria nacional com as multinacionais. Tecnologia e mercadoria e como tal pode ser avaliada e devidamente tributada quanto a importação. Isto colocaria multinacionais e nacionais em condições competitivas, alem de estimular a produção nacional de inovação.
Tecnologia e Humanismo
A terrível violência da cena final do Hamlet não poderia ter sido imaginada por Shakespeare, não fora ele educado, psiquicamente estruturado, pela tecnologia prevalente da época. "Certo", diriam os Skinerianos. "Talvez", diriam os psicólogos de inclinações existenciais e humanistas, mas poucos seriam os intelectuais que não exclamariam: "Ridícula, grotesca afirmativa. Se e verdade, então a que ponto não estaria o homem de hoje deformado pela tecnologia, sua própria criação?".
E da etologia, esta mais jovem das ciências, que partiremos para demonstrar essa nossa afirmação inicial. Nascida principalmente dos trabalhos de Konrad Lorenz e Niko Timbergen, esta escola possui, como método principal, a observação dos animais em seu habitat natural e, como conceitos fundamentais, uma engenhosa extensão do principio Darwiano de evolução e um mecanismo de ritualização para o controle da agressão.
Para Lorenz, o comportamento animal e grandemente determinado por codificação filogenética, cujo estabelecimento sofreu a mesma seleção do mais capaz que Darwin definiu para as características físicas das especies. Assim, um dado comportamento surge por acidente genético e somente e retido se tiver um valor de sobrevivência para a especie. Se esta nova subespécie, que surge por fora do novo comportamento, se mostrar melhor capacitada que suas competidoras imediatas, ela as deslocara, sendo a unica a sobreviver. Assim evoluiria positivamente o comportamento animal. Para Lorenz, numa certa medida, este mecanismo seria extensivo ao homem.
O instinto de agressão intra e inter-especies tem indiscutível valor de sobrevivência. Certos carnívoros de vida eminentemente solitária, como a marta e certos felinos, tem o instinto de agressão inibido durante o período de acasalamento, por intermédio de processos hormonais. Outras especies, cuja solução para o problema de sobrevivência se baseou em instintos gregários, sobrepostos a necessária agressividade, desenvolveram mecanismos inibitórios de caráter filogenético. Muitos destes mecanismos tomam a forma de rituais necessários para a neutralização da agressão intra-especie.
O lobo (canis lupus), ao enfrentar um rival, desenvolve um inacreditável nível de agressividade. Se, entretanto, durante a luta, a predominância de um dos contendores se define, o vencido assume prontamente uma postura especifica, oferecendo a própria jugular. Bastaria uma mordida para aniquilar o rival. O vitorioso esta ainda possuído de paroxísmica fúria, mas aquela postura do vencido desencadeia poderosos mecanismos de inibição. O vencedor atacara tudo o que passe por perto, estrangalhara tocos de madeira e quebrara seus dentes em pedras que porventura encontre. Mordera furiosamente o ar, mas não tocara o desprotegido contendor. E a "moralidade" dos lobos.
Estes mecanismos de inibição instintiva, essenciais para a sobrevivência de especies possuidoras de poderosas armas de ataque, não existem na mesma proporção nas especies menos aparelhadas para o combate. Assim conta Lorenz que, havendo colocado duas pombas (streptopetia turtur) em uma gaiola, para acasalamento, verificou surpreso, no dia seguinte, que uma delas havia selvagemente trucidado a outra.
Não havendo mecanismos inibitórios, e o confinamento não permitindo a fuga, aquele paradigma da paz muito naturalmente aniquilou seu parceiro mais fraco. Sua "moralidade" não estava preparada para aquela mudança de condições, impostas pelo confinamento. Para Lorenz, o homem pertenceria a esta segunda categoria. Sua incompetência para o combate não exigiu o desenvolvimento de uma "moral" de ordem filogenética que inibisse sua agressão ou desenvolvesse rituais inatos que a desviassem. Assim, ao se apossar dos poderosos meios que a tecnologia lhe oferece, o homem passou a ser a especie assassina por excelência, aquela que mais frequentemente mata seus semelhantes. Tal concepção tem, evidentemente, seus opositores. Dentre eles, destacam-se os seguidores de Boas e o grupo de Columbia, a escola antropológica dominante nestas ultimas quatro ou cinco décadas. Toda a estrutura teórica da antropologia cultural se baseara na premissa de que o comportamento humano seria inteiramente oriundo aprendizado e do meio ambiente. Seus mais veementes porta-vozes, Ashley Montagu e Margaret Mead, continuam afirmando, ate hoje, que os instintos no homem se reduziram a vestígios tão insignificantes, que sua participação no comportamento humano seria negligenciável. Estranhamente, pensadores de conceituação resolutamente otimista, como os marxistas, se abstiveram de participação na polemica, da mesma maneira que os pensadores cristãos, estes últimos momentaneamente mais preocupados em reconciliar Deus com os homens, do que os homens com Deus.
Da batalha intelectual que se desencadeou, apos a publicação do provocante livro de Lorenz — "On agression", restou-nos o consenso de que, mesmo admitindo-se que Lorenz inferira permissivamente mecanismos de comportamentos humanos, a partir da observação de animais, era indiscutível a existência naqueles de um componente instintivo apreciável. Componente esse sobre o qual atuariam a educação e o ambiente.
Assim, quando o homem inventou o machado, a lança e a espada, ele ainda não possuía uma moralidade apropriada ao seu novo poderio. Pouco importa se a motivação inicial foi a caça ou a autodefesa ou a guerra. Aquele animal, inicialmente incompetente no combate, adquirira meios para matar. Se antes fora um pacifico comedor de frutos e insetos como seus primos de hoje, o gorila, e o chipanzé, transformou-se então em guerreiro e caçador. Aquele primeiro passo tecnológico transformara todo seu comportamento, sua cultura, sua estrutura social. O búfalo, que era antes um exótico animal a ser evitado, passou a ser caça cobiçada e, consequentemente, parte integrante da cultura humana. O homem se metamorfoseara pela tecnologia por ele mesmo criada que agora era parte integrante do próprio homem. Assim, se a cena final do Hamlet tivesse sido escrita antes da invenção da espada, teria-se restringido a alguns rangeres de dentes e talvez algumas mordidas. Não apenas porque e mais difícil matar sem os objetos apropriados, mas principalmente porque a ideia do assassinato nasceu com a invenção da arma. E o próprio Shakespeare das tragedias seria impossível, pois não poderia concebe-las sem a cultura da violência, fruto da eficiente tecnologia do homicídio existente na época. Alguns pensadores sugerem que a tecnologia e desenvolvida para o bem e aplicada para o mal. Outros dizem exatamente o contrario. Existe ainda um terceiro grupo que diz que a tecnologia e neutra. A ciência sofre, as vezes, o mesmo escrutínio estéril.
O importante e que nos conscientizemos de que somos também o produto daquilo que criamos. Que a tecnologia, talvez mais que a arte ou a ciência não e apenas um componente passivo de nossa cultura, sobre o qual temos controle, mas e, principalmente, um condicionador temível de nosso próprio comportamento.
A semelhança do mecanismo Darwiniano, na evolução das especies, e do mecanismo Lorenziano, na evolução do comportamento dos animais, e possível fazer-se um modelo para a evolução da tecnologia. Este modelo que propomos e evidentemente criticável, mas nos parece que, como ponto inicial de discussão, e aceitável.
O processo se inicia, acidentalmente, por uma descoberta individual. Acidentalmente porque a descoberta inicial não é produto de um consenso comunitário, mas surge da iniciativa de um certo individuo, cuja atividade não representa as aspirações "oficiais" do seu ambiente. Posteriormente, a "autoridade", estatal ou acadêmica, apoia o desenvolvimento da descoberta e, aos poucos, ela é incorporada a comunidade ou a uma parcela desta. Se ela tem um "valor de sobrevivência", essa nova tecnologia prevalece, e toda a humanidade dela se beneficia. As facções que não a adotam tomam-se incapazes de competir e perecem. Evidentemente, este perecimento pode ser apenas uma perda cultural ou material e pode não representar a extinção de um grupo humano. Este modelo tem a vantagem de ser extremamente benevolente, pois implica numa evolução positiva. O progresso se fara sempre na direção da segurança e da sobrevivência do homem. Ha, entretanto, um problema. Como a pomba de Lorenz, não terá sempre o homem, tempo para desenvolver uma "moralidade" apropriada para cada novo avanço tecnológico pois mecanismos de controle e reorientação de comportamento terão que ser desenvolvidos "a posteriori", após estabelecido o comportamento advindo da "mutação" tecnológica em questão.
Nesta época de vertiginoso progresso tecnológico torna-se imperativo o desenvolvimento intencional de mecanismos de correção. Não somente pelos perigos de autodestruição por meio de guerras, mas principalmente pelo perigo de evolução cultural em direções indesejáveis. Quais as influencias que os meios de computação, ou o aceleramento das informações, ou este aterrador controle que possuímos sobre a natureza terão sobre o homem? Não sabemos.
Nosso conforto reside em dois pontos. O homem possuí um substrato positivo de comportamento de natureza instintiva que, embora submerso por uma carga cultural esmagadora, e imutável. O homem possui ainda o potencial de desenvolver conscientemente, e incorporar culturalmente, processos corretivos que neutralizem excessos inerentes a novos comportamentos comandados por inovação tecnológicas.
Para evitar-se os perigos de uma rápida evolução tecnológica, sem um concomitante desenvolvimento de uma "moralidade", resta-nos, como unica escolha, a inclusão desta moralidade na própria tecnologia. Com o controle do processo de evolução tecnológica sendo feito pela Sociedade, e não mais determinado unicamente pelo mercado, seria possível uma evolução paulatina, controlada, de meios tecnológicos com o correspondente aparato moral.
Esta aparente Utopia talvez não esteja tão distante. O escasseamento da matéria-prima forçara, de imediato, o homem a buscar soluções tecnológicas ditadas pela sobriedade. Nestas condições, a interferência governamental na busca de novas tecnologias vira naturalmente. Os metais serão tão escassos dentro de 100 anos que uma verdadeira revolução tecnológica sera necessária. E sempre mais fácil reformar e moralizar durante as revoluções. Vejamos o que ja vem acontecendo com a energia. A busca de novas fontes já sofre notável influencia de preocupações ecológicas. Nesta área, decisões governamentais não somente estão começando a deslocar as influencias diretas do mercado, como também já incluem, como parâmetro de decisão, o potencial poluente das novas tecnologias. E um primeiro passo, modesto, mas alentador. A escassez certamente propiciou essa mudança de atitude.
Na Europa, em muitas áreas os governos vem, crescente e decisivamente, influindo na escolha de inovações tecnológicas. As motivações ainda são predominantemente condicionadas pelas preocupações com a eficiência de produção e com a competição internacional. Com isto, entretanto, os instrumentos e a tradição de participação governamental no processo decisório se estabelece. E possivel, agora, introduzir-se, gradativamente, elementos de decisão que tomem em consideração, diretamente, a melhoria da qualidade de vida. E possível mesmo que o controle dos processos de inovação tecnológica se tome um instrumento decisivo para humanização do homem.
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Os artigos postados formam parte do livro Tecnologia e Desenvolvimento Nacional que contem outros artigos que foram publicados em forma na Folha de São Paulo, nas seguintes datas: 28 de setembro, 25 de outubro, 18 de novembro de 1975; 1.° de Janeiro, 7, 15 e 16 de abril, 8 e 22 de junho de 1976. Na Gazeta Mercantil, 12 de dezembro de 1975.
E da etologia, esta mais jovem das ciências, que partiremos para demonstrar essa nossa afirmação inicial. Nascida principalmente dos trabalhos de Konrad Lorenz e Niko Timbergen, esta escola possui, como método principal, a observação dos animais em seu habitat natural e, como conceitos fundamentais, uma engenhosa extensão do principio Darwiano de evolução e um mecanismo de ritualização para o controle da agressão.
Para Lorenz, o comportamento animal e grandemente determinado por codificação filogenética, cujo estabelecimento sofreu a mesma seleção do mais capaz que Darwin definiu para as características físicas das especies. Assim, um dado comportamento surge por acidente genético e somente e retido se tiver um valor de sobrevivência para a especie. Se esta nova subespécie, que surge por fora do novo comportamento, se mostrar melhor capacitada que suas competidoras imediatas, ela as deslocara, sendo a unica a sobreviver. Assim evoluiria positivamente o comportamento animal. Para Lorenz, numa certa medida, este mecanismo seria extensivo ao homem.
O instinto de agressão intra e inter-especies tem indiscutível valor de sobrevivência. Certos carnívoros de vida eminentemente solitária, como a marta e certos felinos, tem o instinto de agressão inibido durante o período de acasalamento, por intermédio de processos hormonais. Outras especies, cuja solução para o problema de sobrevivência se baseou em instintos gregários, sobrepostos a necessária agressividade, desenvolveram mecanismos inibitórios de caráter filogenético. Muitos destes mecanismos tomam a forma de rituais necessários para a neutralização da agressão intra-especie.
O lobo (canis lupus), ao enfrentar um rival, desenvolve um inacreditável nível de agressividade. Se, entretanto, durante a luta, a predominância de um dos contendores se define, o vencido assume prontamente uma postura especifica, oferecendo a própria jugular. Bastaria uma mordida para aniquilar o rival. O vitorioso esta ainda possuído de paroxísmica fúria, mas aquela postura do vencido desencadeia poderosos mecanismos de inibição. O vencedor atacara tudo o que passe por perto, estrangalhara tocos de madeira e quebrara seus dentes em pedras que porventura encontre. Mordera furiosamente o ar, mas não tocara o desprotegido contendor. E a "moralidade" dos lobos.
Estes mecanismos de inibição instintiva, essenciais para a sobrevivência de especies possuidoras de poderosas armas de ataque, não existem na mesma proporção nas especies menos aparelhadas para o combate. Assim conta Lorenz que, havendo colocado duas pombas (streptopetia turtur) em uma gaiola, para acasalamento, verificou surpreso, no dia seguinte, que uma delas havia selvagemente trucidado a outra.
Não havendo mecanismos inibitórios, e o confinamento não permitindo a fuga, aquele paradigma da paz muito naturalmente aniquilou seu parceiro mais fraco. Sua "moralidade" não estava preparada para aquela mudança de condições, impostas pelo confinamento. Para Lorenz, o homem pertenceria a esta segunda categoria. Sua incompetência para o combate não exigiu o desenvolvimento de uma "moral" de ordem filogenética que inibisse sua agressão ou desenvolvesse rituais inatos que a desviassem. Assim, ao se apossar dos poderosos meios que a tecnologia lhe oferece, o homem passou a ser a especie assassina por excelência, aquela que mais frequentemente mata seus semelhantes. Tal concepção tem, evidentemente, seus opositores. Dentre eles, destacam-se os seguidores de Boas e o grupo de Columbia, a escola antropológica dominante nestas ultimas quatro ou cinco décadas. Toda a estrutura teórica da antropologia cultural se baseara na premissa de que o comportamento humano seria inteiramente oriundo aprendizado e do meio ambiente. Seus mais veementes porta-vozes, Ashley Montagu e Margaret Mead, continuam afirmando, ate hoje, que os instintos no homem se reduziram a vestígios tão insignificantes, que sua participação no comportamento humano seria negligenciável. Estranhamente, pensadores de conceituação resolutamente otimista, como os marxistas, se abstiveram de participação na polemica, da mesma maneira que os pensadores cristãos, estes últimos momentaneamente mais preocupados em reconciliar Deus com os homens, do que os homens com Deus.
Da batalha intelectual que se desencadeou, apos a publicação do provocante livro de Lorenz — "On agression", restou-nos o consenso de que, mesmo admitindo-se que Lorenz inferira permissivamente mecanismos de comportamentos humanos, a partir da observação de animais, era indiscutível a existência naqueles de um componente instintivo apreciável. Componente esse sobre o qual atuariam a educação e o ambiente.
Assim, quando o homem inventou o machado, a lança e a espada, ele ainda não possuía uma moralidade apropriada ao seu novo poderio. Pouco importa se a motivação inicial foi a caça ou a autodefesa ou a guerra. Aquele animal, inicialmente incompetente no combate, adquirira meios para matar. Se antes fora um pacifico comedor de frutos e insetos como seus primos de hoje, o gorila, e o chipanzé, transformou-se então em guerreiro e caçador. Aquele primeiro passo tecnológico transformara todo seu comportamento, sua cultura, sua estrutura social. O búfalo, que era antes um exótico animal a ser evitado, passou a ser caça cobiçada e, consequentemente, parte integrante da cultura humana. O homem se metamorfoseara pela tecnologia por ele mesmo criada que agora era parte integrante do próprio homem. Assim, se a cena final do Hamlet tivesse sido escrita antes da invenção da espada, teria-se restringido a alguns rangeres de dentes e talvez algumas mordidas. Não apenas porque e mais difícil matar sem os objetos apropriados, mas principalmente porque a ideia do assassinato nasceu com a invenção da arma. E o próprio Shakespeare das tragedias seria impossível, pois não poderia concebe-las sem a cultura da violência, fruto da eficiente tecnologia do homicídio existente na época. Alguns pensadores sugerem que a tecnologia e desenvolvida para o bem e aplicada para o mal. Outros dizem exatamente o contrario. Existe ainda um terceiro grupo que diz que a tecnologia e neutra. A ciência sofre, as vezes, o mesmo escrutínio estéril.
O importante e que nos conscientizemos de que somos também o produto daquilo que criamos. Que a tecnologia, talvez mais que a arte ou a ciência não e apenas um componente passivo de nossa cultura, sobre o qual temos controle, mas e, principalmente, um condicionador temível de nosso próprio comportamento.
A semelhança do mecanismo Darwiniano, na evolução das especies, e do mecanismo Lorenziano, na evolução do comportamento dos animais, e possível fazer-se um modelo para a evolução da tecnologia. Este modelo que propomos e evidentemente criticável, mas nos parece que, como ponto inicial de discussão, e aceitável.
O processo se inicia, acidentalmente, por uma descoberta individual. Acidentalmente porque a descoberta inicial não é produto de um consenso comunitário, mas surge da iniciativa de um certo individuo, cuja atividade não representa as aspirações "oficiais" do seu ambiente. Posteriormente, a "autoridade", estatal ou acadêmica, apoia o desenvolvimento da descoberta e, aos poucos, ela é incorporada a comunidade ou a uma parcela desta. Se ela tem um "valor de sobrevivência", essa nova tecnologia prevalece, e toda a humanidade dela se beneficia. As facções que não a adotam tomam-se incapazes de competir e perecem. Evidentemente, este perecimento pode ser apenas uma perda cultural ou material e pode não representar a extinção de um grupo humano. Este modelo tem a vantagem de ser extremamente benevolente, pois implica numa evolução positiva. O progresso se fara sempre na direção da segurança e da sobrevivência do homem. Ha, entretanto, um problema. Como a pomba de Lorenz, não terá sempre o homem, tempo para desenvolver uma "moralidade" apropriada para cada novo avanço tecnológico pois mecanismos de controle e reorientação de comportamento terão que ser desenvolvidos "a posteriori", após estabelecido o comportamento advindo da "mutação" tecnológica em questão.
Nesta época de vertiginoso progresso tecnológico torna-se imperativo o desenvolvimento intencional de mecanismos de correção. Não somente pelos perigos de autodestruição por meio de guerras, mas principalmente pelo perigo de evolução cultural em direções indesejáveis. Quais as influencias que os meios de computação, ou o aceleramento das informações, ou este aterrador controle que possuímos sobre a natureza terão sobre o homem? Não sabemos.
Nosso conforto reside em dois pontos. O homem possuí um substrato positivo de comportamento de natureza instintiva que, embora submerso por uma carga cultural esmagadora, e imutável. O homem possui ainda o potencial de desenvolver conscientemente, e incorporar culturalmente, processos corretivos que neutralizem excessos inerentes a novos comportamentos comandados por inovação tecnológicas.
Para evitar-se os perigos de uma rápida evolução tecnológica, sem um concomitante desenvolvimento de uma "moralidade", resta-nos, como unica escolha, a inclusão desta moralidade na própria tecnologia. Com o controle do processo de evolução tecnológica sendo feito pela Sociedade, e não mais determinado unicamente pelo mercado, seria possível uma evolução paulatina, controlada, de meios tecnológicos com o correspondente aparato moral.
Esta aparente Utopia talvez não esteja tão distante. O escasseamento da matéria-prima forçara, de imediato, o homem a buscar soluções tecnológicas ditadas pela sobriedade. Nestas condições, a interferência governamental na busca de novas tecnologias vira naturalmente. Os metais serão tão escassos dentro de 100 anos que uma verdadeira revolução tecnológica sera necessária. E sempre mais fácil reformar e moralizar durante as revoluções. Vejamos o que ja vem acontecendo com a energia. A busca de novas fontes já sofre notável influencia de preocupações ecológicas. Nesta área, decisões governamentais não somente estão começando a deslocar as influencias diretas do mercado, como também já incluem, como parâmetro de decisão, o potencial poluente das novas tecnologias. E um primeiro passo, modesto, mas alentador. A escassez certamente propiciou essa mudança de atitude.
Na Europa, em muitas áreas os governos vem, crescente e decisivamente, influindo na escolha de inovações tecnológicas. As motivações ainda são predominantemente condicionadas pelas preocupações com a eficiência de produção e com a competição internacional. Com isto, entretanto, os instrumentos e a tradição de participação governamental no processo decisório se estabelece. E possivel, agora, introduzir-se, gradativamente, elementos de decisão que tomem em consideração, diretamente, a melhoria da qualidade de vida. E possível mesmo que o controle dos processos de inovação tecnológica se tome um instrumento decisivo para humanização do homem.
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Os artigos postados formam parte do livro Tecnologia e Desenvolvimento Nacional que contem outros artigos que foram publicados em forma na Folha de São Paulo, nas seguintes datas: 28 de setembro, 25 de outubro, 18 de novembro de 1975; 1.° de Janeiro, 7, 15 e 16 de abril, 8 e 22 de junho de 1976. Na Gazeta Mercantil, 12 de dezembro de 1975.