lunes, 24 de noviembre de 2014

Transferência de Tecnologia e Dependência na América Latina*

Esto lo escribieron en 1978....pero no deja de ser totalmente leible hoy. Sigue la linea trazada por lo que comentaba 10 años antes Oscar Varsavsky.

Saludos Santiago

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José Leite Lopes

Professor Titular de Física na Universidade Louis Pasteur de Strasbourg. Ex-Diretor Científico do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Autor, entre outros títulos, do livro Ciência e Libertação.


A expressão transferência de tecnologia é cada vez mais utilizada em nossos dias por engenheiros, economistas e homens de listado para caracterizar o processo de transferência e implantação de fábricas e equipamentos industriais nos países em vias de desenvolvimento, previstos por certos programas “de ajuda ao desenvolvimento” concebidos e aplicados pela maior parte dos países industrializados. 
Essa expressão, entretanto, tem ao mesmo tempo uma conotação de transferência de conhecimentos científicos e tecnológicos que não corresponde, em meu entender, à realidade. É preciso dar às coisas os seus verdadeiros nomes. A implantação de uma fábrica implica certamente na formação de operários especializados e em contingentes recrutados na população local, necessários a seu funcionamento (ver por exemplo, SEURAT, 1978). Essa fábrica funciona graças a um certo número de operações e de técnicas que os trabalhadores devem aprender. Mas, na maior parte dos países do Terceiro Mundo, foi feita uma determinada escolha política que impõe a esses países um modelo e um sistema de desenvolvimento dependente. Segundo esses modelos, postos em ação na quase totalidade dos países da América Latina, o desenvolvimento econômico estaria assegurado pela implantação de fábricas pertencentes a grandes firmas multinacionais, cujos laboratórios de pesquisas, localizados nos países industrializados, fornecessem os conhecimentos científicos e técnicos, os planos e receitas para o funcionamento de tais fábricas. Esses modelos implicam naturalmente que os produtos manufaturados por essas fábricas são aqueles necessários às populações locais, enquanto que, em geral, esses produtos, numa escala bastante larga, só são adquiridos por uma pequena fração da população local e são exportados para outros países. A competitividade das sociedades multinacionais nessas exportações provém das condições altamente favoráveis — o preço da mão-de-obra, o acesso aos produtos primários, a proibição de reivindicações salariais, entre outros fatores — concedidos pelos governos desses países subdesenvolvidos. Está claro que, nessas condições, não existe transferência de conhecimentos científicos e tecnológicos, nem os meios de criação desses conhecimentos para esses países em vias de desenvolvimento.
Somente uma escolha política que assegure — além da importação dos equipamentos necessários, da troca quer de produtos industriais, quer de conhecimentos e de ideias — o desenvolvimento local das indústrias e da agricultura realmente necessárias à população, o desenvolvimento de sua cultura, bem como da ciência e da tecnologia, novas ideias e técnicas, concebidas e desenvolvidas a nível local, somente tudo isso pode permitir uma verdadeira transferência de tecnologia. Sem essa escolha política, sem a abolição dos modelos de desenvolvimento dependente, a expressão transferência de tecnologia torna-se um jogo de palavras, um mito frequentemente utilizado para mascarar a dependência econômica e tecnológica cada vez mais profunda dos países em vias de desenvolvimento.
Para que se possa compreender bem a situação atual da ciência e da tecnologia na América Latina, deve-se sempre ter em vista que as nações desse continente foram, por mais de três séculos colônias — de Portugal (no caso do Brasil) e da Espanha. O estatuto de dependência de Portugal em relação à Inglaterra deu ao Brasil, sobretudo a partir do Tratado de Methuen de 1703, o caráter de uma espécie de colônia "escondida do Reino-Unido" (VELHO, 1976). Uma vez que o regime econômico colonial era de exploração e exportação, para os centros metropolitanos, de produtos primários (no Brasil o ouro — que era diretamente encaminhado para a Inglaterra como pagamento das importações para Portugal de produtos manufaturados ingleses — o açúcar, o café, etc), as atividades agrícolas e de extração mineral necessitavam de conhecimentos e técnicas meramente rudimentares.
A independência do Brasil, proclamada em 1822, não mudou essencialmente essa situação de dependência econômica; ela foi antes considerada como a culminância das relações diretas estabelecidas entre esse país e a Grã-Bretanha.
Durante esse período, e até os princípios do século XX os interesses agrícolas mantiveram completo domínio sobre o Estado; e os setores do sistema econômico que demandavam tecnologia mais avançada, como os de transporte por via férrea e de navegação, permaneceram sob o domínio estrangeiro, uma vez que a realização dessas iniciativas necessitava de equipamentos e capitais estrangeiros. Ao mesmo tempo, ficou bem estabelecida no Brasil, nessa época, uma ideologia que afirmava sua “vocação agrícola”: o país não podia produzir equipamentos industriais tão aperfeiçoados quanto os produzidos pela Inglaterra, e se tentasse fazê-lo, e para isso adotasse medidas protecionistas, era certo que os países industrializados tomariam medidas correspondentes contra suas exportações agrícolas. Desse modo, a classe dominante no Brasil baseou seu poder nessa ideologia, estabelecida durante a fase de exportação de produtos primários e cujas repercussões se fariam sentir na evolução ulterior da economia, bem como no desenvolvimento da ciência e da tecnologia nesse país.
Estabelecidas para a educação de uma pequena minoria proveniente da elite rural e da camada superior da classe média, as escolas de ensino superior no Brasil destinavam-se a formar advogados, que constituíam os quadros dirigentes do país e, em seguida, médicos. Foi somente em 1810 que o rei D. João VI — refugiado no Brasil em virtude da invasão de Portugal pelos exércitos de Napoleão — criou a Real Academia Militar, transformada em 1874 em Escola Politécnica do Rio de Janeiro, destinada à formação de engenheiros. Em 1875, foi fundada a Escola de Minas da cidade de Ouro Preto e, em 1879, a Escola Politécnica de São Paulo. Os primeiros institutos de pesquisa datam dos primeiros anos do século XX, quando o governo foi obrigado a criar institutos de pesquisa médica e biológica — o Instituto Butantã, de São Paulo, e o Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro — para combater a peste, a febre amarela e certas doenças do café.
Mas, no princípio do século XX, segundo o sociólogo O. G. Velho, “o Brasil importava tudo que pudesse sofrer um processo de transformação industrial, das locomotivas aos fósforos”.
As variações na demanda internacional de produtos primários, como se sabe, deram lugar a diminuições ocasionais da capacidade de importação pelo Brasil de produtos manufaturados, o que estimulou iniciativas de caráter industrial no país, para satisfazer as necessidades do mercado interior.
Esse processo de industrialização, de substituição das importações, teve como consequência que os meios de produção deviam imitar e importar a tecnologia desenvolvida no estrangeiro.
Vemos assim que o processo de dependência econômica da época colonial transferiu-se, sob outra forma, na constituição do sistema industrial brasileiro. A demanda de produtos manufaturados similares àqueles que eram importados exigia uma dependência tecnológica do exterior — os conhecimentos científicos e técnicos necessários à industrialização que começava estavam incorporados aos bens de capital importados, às máquinas e às prescrições de fabricação compradas do estrangeiro.
Esse processo de industrialização acentuou-se com a Primeira Guerra Mundial, a grande crise econômica mundial de 1929 e, finalmente, com a Segunda Guerra Mundial. E a Inglaterra, que substituíra Portugal como sócio dominante da economia brasileira, cedeu o lugar, como se sabe, aos Estados Unidos.
A partir de 1930, fundaram-se escolas de Química em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Recife, e faculdades de ciências foram estabelecidas para a formação de professores e pesquisadores.
O agrupamento dessas faculdades com outras escolas de ensino superior, para constituírem universidades, data dessa época, e o número de universidades no Brasil aumentou consideravelmente a partir de 1946.
Não obstante, os estabelecimentos industriais pertencentes a homens de negócios brasileiros dependiam de máquinas e de tecnologias importadas e, em consequência, eles nunca se preocuparam com os problemas de pesquisa tecnológica ou científicos eventualmente necessários para criar ou aperfeiçoar seus produtos manufaturados. Ligadas a empresas estrangeiras pelo aluguel de patentes e de serviços, as indústrias nacionais raramente apelavam para os institutos de pesquisa tecnológica, tais como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo e o Instituto Nacional de Tecnologia do Rio de Janeiro, voltados, no início de suas atividades, para a realização de testes de materiais de construção e regulagem de aparelhos de medição.
A partir dos anos 60, quando um número razoável de cientistas começou a ocupar os postos de ensino e de pesquisa nas universidades brasileiras, uma nova forma de dependência foi imposta ao sistema industrial brasileiro.
A entrada maciça de grandes empresas multinacionais no país teve consequências muito importantes para a economia, bem como para a ciência e a tecnologia brasileiras.
Antes dessa transformação da economia brasileira, nós — os Cientistas de minha geração — tínhamos a esperança, por meio de publicações, de discussões, de intervenções na imprensa e nas reuniões da Sociedade para o Progresso da Ciência e da Academia de Ciências, de que seria possível estabelecer um dia uma ligação intima entre as indústrias nacionais e os institutos de pesquisa tecnológica, estes, por sua vez, alimentados pelas atividades dos institutos de pesquisa científica e das universidades.
Não obstante, a partir do momento em que as indústrias nacionais desaparecem porque não são capazes de competir com as grandes multinacionais, a partir do momento em que são absorvidas por estas últimas, essa esperança se desvanece.
Pois é absolutamente claro que as sociedades industriais multinacionais possuem seus próprios laboratórios de pesquisa e desenvolvimento em seus países de origem, em suas sedes. São esses laboratórios, com seus homens de ciência e engenheiros, que realizam os trabalhos de descoberta a serem finalmente incorporados aos produtos exportados pelas multinacionais ou fabricados por suas filiais em um país como o Brasil.
As multinacionais, instaladas nesses países em vias de desenvolvimento não têm a menor necessidade dos pesquisadores, dos institutos de pesquisa e das universidades desses mesmos países.
Cito aqui um estudo realizado por três pesquisadores brasileiros (Biato, Guimarães e Poppe de Figueiredo, 1971) que fizeram uma enquete junto às 500 maiores empresas industriais do Brasil e a 132 instituições que empregam atividades tecnológicas.
Eles escrevem (p. 76):
“As informações relativas à origem da tecnologia utilizada na instalação de empresas industriais — uma preliminar necessária ao exame das atividades tecnológicas dessas empresas — evidenciam a predominância do know-how de origem exterior; 62% dessas empresas recorreram a fontes exteriores. Na maior parte das empresas, isto é, em 2/3 delas, esse know-how não sofreu nenhuma adaptação quando da transferência para o sistema de produção nacional; em 21 % dessas empresas, não obstante, a tecnologia importada foi adaptada às condições brasileiras”.
E ainda (p. 99):
“Deve-se destacar que 3/4 das empresas estrangeiras que utilizaram serviços técnicos do exterior solicitaram esses serviços à sua empresa-matriz; quanto às instituições de pesquisa do país — universidades e institutos — as solicitações (de seus serviços) por parte das empresas estrangeiras que consultamos foram relativamente raras (escassas) e, em consequência, ficou muito reduzido o estímulo que elas deram ao complexo tecnológico nacional”.
É ainda necessário nos darmos conta de que os termos “atividade tecnológica” e “pesquisa” utilizados em tais enquetes não têm necessariamente o mesmo significado que têm para o pesquisador científico em seu laboratório.
Essas considerações levam-nos naturalmente a repetir aqui o que dissemos na introdução a respeito da transferência de tecnologia, uma expressão mágica, um mito tão frequentemente utilizado nas discussões sobre o desenvolvimento, as quais podem conduzir a uma concepção falsa sobre o que se passa atualmente nos países em vias de desenvolvimento.
O que os economistas e os tecnocratas entendem por esse termo não passa da instalação, em qualquer desses países, de fábricas importadas, prontas para fabricar produtos cuja concepção foi formulada no estrangeiro, nos laboratórios das sociedades multinacionais que as instalam. Ora, o fato de que nossos operários aprendam a manipular as máquinas e a apertar os botões necessários à fabricação de automóveis, televisores, rádios e toca-discos tem uma importância apenas relativa, uma vez que essas máquinas são inventadas, desenvolvidas e construídas no estrangeiro, e os planos desenhos para sua fabricação não podem ser modificados pelos engenheiros dos países subdesenvolvidos em questão. A transferência de tecnologia, tal como concebida pelos tecnocratas, não implica absolutamente na instalação de laboratórios de pesquisas científicas e tecnológicas, associados às indústrias instaladas no pais em vias de desenvolvimento pelas sociedades multinacionais. O papel dessas indústrias é de importar, reunir e — ou produzir no local bens a serem vendidos à elite do país em questão, ou exportá-los. Como aperfeiçoar esses produtos, modificar suas técnicas de produção, isso é assunto dos laboratórios localizados no país avançado, sede da sociedade multinacional proprietária dessas fábricas.
Para os países que fizeram a escolha política do desenvolvimento dependente, a expressão transferência de tecnologia não significa, portanto, transferência de meios de pesquisa e de criação científica e tecnológica.
Eu gostaria agora de ilustrar essas considerações com um exemplo — a questão da energia nuclear no Brasil.
Como eu já havia dito, após a Segunda Guerra Mundial as universidades brasileiras começam a apresentar um certo desenvolvimento. Em particular, em São Paulo e no Rio de Janeiro, uma equipe de físicos foi constituída para realizar trabalhos de pesquisa em física teórica, em raios cósmicos e em física nuclear (ver Ferreira, 1977). Um betatron e um gerador Van de Graaf foram instalados em São Paulo, nos anos 50, e estudantes viram-se atraídos pelo trabalho nesse domínio (Goldemberg, 1957; Leite Lopes, 1969). Físicos realizaram estudos e pesquisas no estrangeiro, e um deles, C.M.G. Lattes, contribuiu para a descoberta de mésons pi nos raios cósmicos (1947) e para a sua produção, pela primeira vez, em laboratório, pelo cíclotron de Berkeley (1948).



O prestígio desses trabalhos, bem como o prestígio e o desenvolvimento acelerado da pesquisa científica nos países industrializados, após a Segunda Guerra Mundial, levaram o Governo brasileiro a criar, em 1951, sob pressão de nossos cientistas, o Conselho Nacional de Pesquisa. A finalidade dessa instituição era não somente apoiar e estimular a pesquisa científica fundamental, mas lambem desenvolver e controlar todas as atividades relativas à energia atômica no Brasil.
Entre os anos 1951 e 1954, esse Conselho tentou obter a cooperação do Governo dos EUA, através de sua Comissão de Energia Atômica, para desenvolver a energia nuclear no Brasil. Durante muitos anos, minerais contendo tório foram exportados para os Estados Unidos. O Conselho Nacional de Pesquisa do Brasil pedia que o pagamento dessas exportações fosse a instalação de reatores de pesquisa e de centrais nucleares no Brasil. Como a lei MacMahon, nos EUA, proibisse a exportação de equipamento nuclear, bem como a comunicação de informações nesse campo, o Conselho de Pesquisa brasileiro tentou obter a cooperação da França, à qual encomendou uma usina para tratamento de minerais e produção de compostos de urânio, e da República Federal Alemã, a quem pediu instalações-piloto para o enriquecimento de urânio por ultracentrifugação, uma técnica que começava a ser estudada e desenvolvida naquele país, àquela época. Esses contratos, entretanto, não foram realizados em virtude de uma intervenção do Governo dos EUA contra a instalação desses equipamentos no Brasil.
Em 1956, após a publicação dessas informações, graças ao testemunho do primeiro presidente do Conselho Nacional de Pesquisa, Almirante Álvaro Alberto, diante da Câmara de Deputados brasileira, o Conselho Nacional de Segurança anulou todos os contratos de exportação de minerais de tório para os Estados Unidos e criou a Comissão Nacional de Energia Nuclear, que deveria por em ação uma nova política destinada a desenvolver os trabalhos sobre energia atômica no país. Essa comissão adotou, entretanto, uma política que não favoreceu o desenvolvimento tal como recomendado em 1957 pelo Conselho Nacional de Segurança. Com efeito, a primeira Conferência Internacional sobre as Aplicações Pacíficas da Energia Atômica, realizada em Genebra, em 1955, quando informações a esse respeito foram publicadas, dava uma oportunidade à Comissão de estabelecer acordos de cooperação com vários países para a realização de pesquisas nesse campo, como se começava a fazer em quase todas as partes. No entanto, a proposta feita por vários dos nossos, para a criação de um Laboratório Nacional de Energia Nuclear, que reuniria os pesquisadores brasileiros e estrangeiros para a realização de um programa nacional, foi rejeitada pela Comissão de Energia Nuclear. Durante cerca de vinte anos após a primeira Conferência de Genebra, os progressos do Brasil no campo da energia nuclear não tiveram qualquer significação — três pequenos reatores de pesquisa foram sucessivamente instalados em três universidades. O programa de pesquisas viu-se essencialmente voltado para a produção e a aplicação de rádio-isótopos. Nenhum projeto de estudo nem de construção de reatores foi realizado por nossos engenheiros e físicos; em particular, seria de interesse para o país obter a cooperação de instituições estrangeiras para a realização, no Brasil, de pesquisas sobre a utilização do tório como elemento fértil nos reatores, possibilidade que havia sido anunciada durante a Conferência de Genebra de 1955.
Pude participar da discussão desses problemas, fui membro do Comitê de Energia Atômica do Conselho Nacional de Pesquisas que precedeu a Comissão Nacional de Energia Nuclear, lutei pela criação de um Laboratório Nacional de Energia Nuclear, escrevi em 1958 artigos que denunciavam essas dificuldades. Mas as resistências contra um programa dinâmico de energia nuclear — de pesquisas necessárias à industrialização posterior — foram enormes. As indústrias estrangeiras que desejavam vender reatores de pesquisa (guardando as chaves), ou os mais recentes gadgets e aparelhos de medição, essas ganharam a batalha.
Em 1975, como se sabe, o Governo Brasileiro, diante da alta dos preços do petróleo, anunciou a assinatura de um acordo com a República Federal da Alemanha para a implantação de um conjunto de oito centrais nucleares, com uma potência de cerca de 10 milhões de Kilowatts. O acordo previa ainda a instalação da infraestrutura necessária, que compreende a produção de combustíveis enriquecidos e o tratamento dos combustíveis irradiados para a separação do plutônio.
Não vou examinar os detalhes desse programa nem as críticas feitas por representantes do Governo dos EUA sobre as possíveis aplicações militares do plutônio obtido por esse tratamento dos combustíveis irradiados.
O ponto importante a destacar é que essa decisão foi aparentemente tomada pelos tecnocratas do Governo sem qualquer consulta aos meios científicos do país. Com efeito, a Sociedade Brasileira de Física publicou um manifesto, aprovado em 14 de julho de 1975, no qual se encontram as seguintes declarações:
“Haveria o risco de repetição de certas experiências realizadas em outros campos da economia brasileira, graças às quais a tecnologia estrangeira foi importada sem trazer qualquer vantagem significativa à tecnologia nacional.”
“A participação dos cientistas e técnicos brasileiros na formulação dos métodos e sistemas que serão utilizados, e na política global quanto às opções energéticas deste país, é indispensável para um desenvolvimento científico e tecnológico deste país.”
Segundo um artigo recentemente publicado, a respeito do acordo nuclear germano-brasileiro, por VARGAS (1976), está claro que a transferência de tecnologia será realizada, nesse campo como nos outros, sem a possibilidade de uma participação dos cientistas técnicos brasileiros na elaboração do projeto, no processo de ação.
Lê-se, efetivamente:
“Sobre as possibilidades de absorção efetiva de tecnologia duas várias etapas do programa, tendo em vista a implantação de centrais nucleares, é preciso destacar que um exame superficial dos setores tecnológicos postos em ação é suficiente para demonstrar que não teremos a oportunidade de participar inicialmente ‘na elaboração’ da tecnologia total.”
“A concepção do reator, até o circuito primário do conversor de calor, isto é, a filosofia do projeto, como frequentemente se chama, não está aberta à discussão. Ela é um dado. Todas as confrontações econômicas dessa fase chegam fechadas, não necessariamente em segredo, mas fora do alcance prático razoável do recipiendário.
Vemos, portanto, que a escolha política das classes dominantes no Brasil, nos últimos vinte anos, nos conduz a repetir a experiência de compra de máquinas, equipamentos e projetos, sem que os experts do país tenham a possibilidade de contribuir para o estudo, ou mesmo para a discussão preliminar das opções nesse campo tão importante para o complexo tecnológico nacional.
Não se trata, portanto, de um novo aprofundamento da dependência tecnológica? Escolhi este exemplo não porque a energia nuclear deva, necessariamente, ser prioritária hoje em dia. Trata-se de um campo novo de pesquisas que foi aberto há vinte anos e que as forças políticas impediram de se desenvolver por meio do trabalho dos cientistas do meu país de origem.
Terminarei dizendo que é preciso que a ciência e a tecnologia possam ser efetivamente utilizadas para o bem-estar de todos os povos — no momento elas só se aplicam àquela fração da humanidade que vive nos países industrializados.
É preciso que as descobertas e inovações científicas sejam realizadas também no interior do Terceiro Mundo. Mas para isso seria preciso substituir as políticas e os modelos de desenvolvimento dependente a serviço de uma única elite, e seria preciso fazer as escolhas políticas que visam ao benefício de suas populações, de todos os homens e mulheres que vivem naqueles países.